Ricardo Kubrusly: Sobre Paradoxo & Matemática & Psicanálise

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Paradoxo&Matemática&Psicanálise

 (ou Um Pato Fora D’água)

Ricardo S. Kubrusly

IM/UFRJ

 

 

 

And all is always now

 

T. S. Eliot

 

 

Resumo: A tentativa de organizar e sistematizar o pensamento humano criando teorias, leva inexoravelmente ao surgimento de paradoxos. No que segue, propomos uma opção alternativa, quanto à atitude a tomar diante destes paradoxos. Essa atitude usualmente varia do simples espanto e aceitação ao desespero de elucidá-los. A razão queda-se diante do inexplicável e freqüentemente somos obrigados a abrir mão do espírito científico que nos impulsionara para compartilhar de explicações de origem dogmática que não têm  lugar na elaboração de ciências. Analisamos o papel diagnóstico dos paradoxos e a necessidade de um enfraquecimento do conceito de verdade, para permanecer-se  científico. Definimos paradoxo à  maneira matemática, como elemento  pertencente à classe de objetos cuja não existência é necessária e suficiente à sua  própria existência. Discutimos a invenção do tempo suas conseqüências e a possibilidade  de abandonar o princípio da causalidade, criando  com isso a possibilidade  de múltiplas verdades independentes, coexistindo em distintas dimensões do real e originárias da mesma questão inicial. Como exemplo, descrevemos processo e resultados, do que chamamos Psicanálise da Matemática. Analisamos  suas grandes crises e o papel fundamental dos paradoxos na sua ‘cura’. Finalmente discutimos qual o papel  dual possível da Matemática nas análises críticas das teorias psicanalíticas e as inspirações que seus exemplos podem suscitar.

 

 

 I –  Quem sou? Aonde estou? Do Top-Quark ao Cosmo e a: Deus ou  o Pensamento ?A Fé remove montanhas (…e “resolve” paradoxos ! )…. e se Deus não tiver nada  a ver com isso?

 

 

Tudo começa antes do tempo, quando não havia futuro e a vida  ainda não se sabia. Embora já fôssemos matéria responsável (no sentido de que células, tecidos, órgãos de seres   vivos são responsáveis pelo funcionamento organizado e padronizado que possibilita a vida), longe estávamos de ser matéria preocupada e conseqüentemente,  seres movidos pela angústia. Quando? Quando? esta pergunta que não nos abandona, nunca será respondida. Antes do tempo não havia Quando.

 

Lá era eu-macaco jogando a vida sem filosofia e entre bananas árvores e gritaria dava-me conta, balançando me  pendurado pelo rabo, de cabeça para baixo, dava-me conta de que tudo  balança, que a periodicidade da natureza nos era  exibida em múltiplos relógios. Assim inventei ou descobri os relógios. Ainda não havia o tempo, mas sim algo que o possibilitava. O relógio, inventando o tempo inexorável: começo; hoje; eternidade.

 

O tempo agora toma conta de tudo, explica  todos os ciclos  e eu espantado, faço-me homem, diante do que me diferencia: a consciência de minha própria finitude. Valha-me Deus!

 

Passo a observar tudo com a ótica do tempo. Um relógio que dá sentido ao tempo que possibilita  o espanto que explica a natureza.

 

Desta maneira, cada pedaço do universo necessita de um continente que garanta a sua existência.  A engrenagem de um motor complexo não existiria se ele não a determinasse; assim como a célula  de um organismo complexo não faz sentido sem o tecido e este precisa do órgão que o nomeia e determina a sua existência responsável. Antes e mais pequeno ainda; as partículas elementares não existem normalmente sem o átomo e este sem as moléculas e estas sem as substâncias que delas se formam. Assim como  a  pedra necessita da montanha e esta da terra  e o nosso planeta do sistema solar que não faria sentido sem a galáxia que  nos equilibra;  a existência de tudo e de cada parte de tudo é garantida  se e somente se algo maior o contém e o possibilita.

 

Este raciocínio tem sido usado freqüentemente para justificar a presença de um Deus, já que partindo da mais elementar das partículas (por exemplo o recém descoberto Top-Quark) e seguindo por uma seqüência gigantesca (mas finita) de inclusões, chegamos ao cosmos e a todo o universo e é claro a um continente ainda maior  do que o tudo. Precisamos de um observador ou criador que a esse tudo contenha e  justifique.  Deus é a opção por excelência: independente do universo, e poderoso o suficiente para contê-lo, torna-se o mais forte candidato a si próprio e aparentemente, é esta a opção    que melhor explica esta seqüência de inclusões.

 

            E se por acaso, depois que todos já estiverem dormindo … por puro absurdo  e  abuso de uma mente  cansada e delirante abolíssemos o tempo, a irreversibilidade do tempo? E se Deus não tiver nada  a ver com isso?! O que contém o tudo e mesmo o além? Que parte de um todo pode contê-lo?  Um  pensamento contém a idéia que o possibilita?

 

 

II – Paradoxo: O que é, por que aparecem, como conviver com eles. A flecha do tempo    e o princípio da Causalidade. A possibilidade  de existências paralelas –

 

Chegando à padaria como de costume, pedi café com pressa e alguns pãezinhos. Reclamei que os ditos pães estavam ficando menores com  o tempo. O padeiro, trabalhando a massa, inchado de filosofia retrucou:  Se assim fosse, logo os meus pãezinhos desapareceriam  e depois o que eu iria fazer?

 

Parecia lógico o argumento do padeiro: tudo que diminui sempre  acaba por desaparecer. Se tirarmos repetidamente, mesmo que apenas um  pedacinho do pão ele acaba sumindo por completo ao tirarmos  o último pedaço. Mas de outra maneira, se por exemplo, dividíssemos o pão em dois pedaços e continuássemos a dividi-lo continuamente,  sobraria sempre um pedaço   (por menor que ele fosse) para que se pudesse dividir novamente. Assim este processo de diminuição do pão, embora contínuo e efetivo, não levaria o pão a se acabar e nunca se chegaria ao zero, ou pelo menos levaríamos a eternidade para acabar com o pão.

 

Qual das duas teorias descreve melhor a diminuição aparente dos pães?  Podemos observar  também que a prática não nos ajuda em nada a resolver esta questão, já que não podemos  dividir o pão em eternas metades. Para elucidar a questão teremos de decidir qual  modelo de pão escolhemos para a nossa teoria. Se de  matéria contínua ou quântica. Escolha fácil e clara. Escolha difícil e obscura.

 

E se esquecêssemos a matéria concreta dos pães por um momento e pensássemos na matéria do tempo que, de maneira parecida, também  anda cada vez mais curto?  E não é de hoje que notamos a aparente (?) aceleração da velocidade do tempo.

 

O tempo quantificado em instantes leva  à questões semelhantes  à posta pelo padeiro. Podemos argumentar como Zenão em seus paradoxos (ver por exemplo [1,2]) que a lerda tartaruga, jamais seria ultrapassada por Aquiles, o  corredor mais veloz, já que para ele  ultrapassa-la deveria num certo instante atingir ao ponto onde ela estava num instante anterior … e nesse instante, por mais vagarosa que ela fosse, já teria se movido e não se encontraria mais lá. De outra maneira, Zenão afirmava que uma flecha jamais atinge seu destino, pois  para isso teria que percorrer a metade do caminho que  separa   arco e alvo gastando no percurso um certo tempo… e assim sempre haveria outra metade a percorrer e sempre algum tempo haveria de ser gasto indefinidamente. Essas duas histórias conhecidas como paradoxos de Zenão  contradizem aos experimentos práticos do cotidiano e corrigir as falhas lógicas que elas apresentam não é difícil. O que acontece  aqui é que a divisão do tempo em instantes mínimos não traduz a experiência que   temos do tempo e portanto este deve ser considerado como um continuo, não quantisável  que pode ser dividido indefinidamente.  Essa conclusão fundamenta tanto a idéia física  de velocidade, como a idéia de limite  do cálculo matemático formalizadas independentemente por Newton e Leibnitz no século XVIII.

 

Se abstraíssemos ainda mais e fôssemos do tempo ao número e nos fizéssemos uma pergunta simples:qual dos conjuntos é maior; o dos números pares ou o de todos os números? A resposta parece simples já que o conjunto de  todos os números engloba todos os pares e ainda todos os ímpares. Mas se nos dispuséssemos a contar cada conjunto, veríamos que a cada número corresponde um e somente um número par que é obtido por simples multiplicação por dois e concluiríamos, o que já havia sido suspeitado por Galileu  e  que foi mais tarde comprovado por Cantor[1](exemplo [2,3,9]) no final do século passado, que ambos conjuntos  são do mesmo tamanho. Para elucidar esta aparente contradição, Cantor inventou uma álgebra peculiar aos conjuntos infinitos, possibilitando à matemática encher-se de coragem e desbravar a caverna obscura e tenebrosa onde moram  os medos, as  incertezas  e  as angústias geradas pela inatingibilidade do infinito. O infinito é finalmente resgatado para o real; mais é ainda lá, nas diversas gradações de infinitude, onde os verdadeiros inexplicáveis esperam  o sopro despertar das nossas mentes.

 

É importante reafirmar que o infinito (lugar que não se alcança, onde o sentido e a coerência se perdem) é, dentro e fora da matemática a fonte de toda a criação do homem. É lá que ainda existem segredos, é lá que as invenções se possibilitam, é lá que mora ou Deus ou o Paradoxo.

 

Um verdadeiro paradoxo não pode ser elucidado como as histórias acima. Sua  auto-contradição fundamenta sua própria existência e sempre coloca o observador num  estado sem saída de angústia máxima. O famoso paradoxo do barbeiro serve como um bom  exemplo.

 

Dizem que havia em Sevilha um barbeiro que mandou pendurar , na porta de sua casa, uma tabuleta com os seguintes dizeres: Faço  a barba de todos que não fazem a própria barba, e somente deles. O paradoxo se evidencia quando perguntamos se o tal barbeiro é ou não barbudo, ou em outras palavras: quem faz a barba do barbeiro?  Notamos primeiramente que não há  barbudos na cidade pois todos que não fazem a própria barba, fá-la o  barbeiro. Então: o barbeiro faz a própria barba se e somente se não faz a própria barba. A afirmação: “O barbeiro faz a sua própria barba” é verdadeira se e somente se é falsa e vice-versa.

 

Na teoria dos conjuntos estas antinomias são conhecidas com paradoxos de Russell (ver por exemplo[ 1 ])  e aparecem com o desbravamento do infinito, que possibilitou um rompimento com o conceito de inclusão, permitindo que partes contenham o todo que as contém. A seqüência de inclusões que modela e dá sentido ao cosmos, discutida na primeira seção deste trabalho, desemboca num paradoxo de Russell.  Podemos imaginar que todas as coisas que existam,  pertençam a uma entre duas  classes de objetos: as das  que contém a si mesma (como por exemplo a classe das coisas imagináveis, que em si é uma coisa imaginável) e as das que não contém a si mesma (como por exemplo a classe dos psicanalistas, dos matemáticos ou das beterrabas  que em si  só não são nem  psicanalista, nem matemático, nem beterraba). Chamando a esta última de normal e a primeira de anormal e designando por N o conjunto de todas as classes normais, pergunta-se: será N normal?  Bem, se N é normal então N pertence a si mesma (pois N é o conjunto de todas as classes normais) mas se assim for,  pela definição acima, N é anormal e então N não mais  pertence a si mesma e conseqüentemente é normal, e voltamos novamente ao início do ciclo gerador de toda angústia dos paradoxos. Ou seja: N é normal se e somente se  N é anormal. Bem parecido conosco não é?

 

A descoberta de um paradoxo verdadeiro indica que a estrutura lógica que suporta o sistema de  articulação de idéias ou eventos que habitam o universo em questão, não mais dá conta de transformar em razão a complexidade desse sistema .  Defrontamo-nos então com uma tríplice escolha:

 

1.   Enfraquecemos a (consistência  da) lógica, removendo alguma de suas leis básicas e  evitando  localmente o paradoxo que necessariamente voltará a aparecer em outra situação e em outro tempo. As novas matemáticas que vêm sendo desenvolvidas com a utilização  de lógicas para-consistentes fazem parte deste grupo. Já há resultados  bastante interessantes que possibilitam o estudo lógico sistemático de vários problemas em áreas até então distantes de um enfoque científico proveitoso. Esta hipótese é recomendada quando a lógica é muito restritiva impondo um enquadramento na articulação de idéias incompatível com o universo a que o sistema se refere. A tentativa de evitar  completamente os paradoxos por um contínuo enfraquecimento da estrutura lógica leva sempre a um universo caótico não analisável.

 

2.   Rompemos com a causalidade, buscando no paradoxo um indecidível, um ponto de bifurcação de onde brotam caminhos de verdades que descrevem universos simultâneos e  paralelos e que são igualmente coerentes e  consistentes. Não há razões para a modelagem do tempo  ser feita de maneira linear  unívoca e positivista. O exemplo que a história da matemática nos ensina e que examinaremos adiante, pode e deve ser aproveitado para o entendimento da natureza , do homem e de sua complexidade. É importante ressaltar nesse ponto que a aparição de um paradoxo indica a existência de indecidíveis que são afirmações que não podem nem ser demonstradas nem negadas dentro da estrutura lógica considerada. São lugares onde algum postulado deve ser assumido. A cada postulado diferente que adotarmos, corresponderá uma teoria diferente; todas igualmente verdadeiras descrevendo versões diferentes e universos diferentes  que serão sempre todos compatíveis com a teoria e os objetos que ela descreve.

 

3.   Apelamos para Deus, criador por excelência de universos físicos e concretos, mas não de um universo de idéias.

 

III- A Psicanálise da Matemática, o tratamento da Geometria e outras aventuras. A física,  onde a experiência é o ato de observá-la. A fé em um Deus matemático e os inesperados paradoxos. A ausência de Deus, enfim, recuperada.

 

O que levou a Geometria ao divã  foi a angústia causada pela interferência do infinito na formulação do Quinto  Postulado  de Euclides há dois mil anos. O postulado afirmava que  por um ponto fora de uma reta dada, existiria apenas uma paralela. Este postulado, como os outros que Euclides havia escolhido para a primeira axiomatização da matemática, parecia em sintonia com as verdades vigentes e ninguém ousaria duvidar de sua auto evidência (propriedade requerida aos candidatos sérios à postulados). Desde o início, porém, Euclides se incomodou com a maneira com a qual havia formulado o  postulado, já que para evidenciar a  unicidade das paralelas, tinha-se que mostrar que duas retas nunca se encontravam. ‘Nunca’ era a palavra que o incomodava. ‘Nunca’ referia-se diretamente ao inalcançável , ao infinito  e portanto  a algo que não se poderia evidenciar. Ele mesmo tentou, sem sucesso, reformular o quinto postulado por diversas vezes mas sempre acabava se defrontando, mesmo que disfarçadamente, com o infinito. Embora Euclides  estivesse certo  da inquestionabilidade do seu postulado, a obsessão  em reformulá-lo ou em demonstrá-lo usando apenas os quatro primeiros postulados constituiu-se no sintoma que o perseguiu por toda vida. Desde então, todos os grandes matemáticos da história, até meados do século XIX, tentaram analisar a Geometria, afim de diminuir a angústia que o sintoma (de arranjar um substituto para o quinto postulado) acarretava. Todas as tentativas de provar as afirmações do quinto postulado, e transformá-lo de um axioma em um teorema falhavam. Não havia dúvidas sobre a certitude (?)  da geometria, ainda não se conheciam verdadeiros paradoxos, a razão ainda era fruto de um Deus matemático que traçava um único caminho de verdades. O quinto postulado não era questionado como verdade, mas sim, se  ele tinha ou não os requisitos de um verdadeiro postulado, já que  sua verificação não era auto evidente.

 

Na tentativa desesperada, missão divina por excelência,   de mostrar a existência de uma só verdade, provinda de um Deus criador e matemático,  é que no início do século XIX, Gauss, Bolyai  e Lobachevsky  (ver por exemplo [4,9]) , independentemente mostraram, espantados e a contragosto, que a negação do quinto postulado, não acarretava qualquer contradição lógica na geometria,  e que portanto, existiam, conjuntamente com a geometria euclidiana, outras geometrias. Na verdade, existe uma geometria para cada maneira de negar o quinto postulado (ou negando a existência de paralelas ou afirmando a existência de pelo menos duas delas passando  concomitantemente por cada ponto fora de um reta dada). O quinto postulado é portanto um indecidível gerador de múltiplas verdades igualmente verdadeiras. Não há caminho preferencial, não há certezas mas escolhas. A ausência de Deus, pelo menos de um Deus definidor de verdades, é finalmente recuperada e o espírito cientifico prevalece.

 

O paradoxo é o sintoma em sua fase mais aguda. Ele não aparece explicitamente na crise das geometrias, é apenas  prenunciado pela presença do infinito na formulação do quinto postulado. Quando um paradoxo verdadeiro surge de maneira explícita numa teoria é uma indicação de que algo deve ser feito com urgência. Não há mais como protelar a busca dos indecidíveis. Ou a existência de vidas paralelas ou a contradição.

 

No início deste século, finalmente, pode-se entender da necessidade dos indecidíveis e de verdades ao invés de verdade. Os trabalhos de Gödel[2] (ver por exemplo [ 6,7,8 ]) desmoronaram com o Sonho de Hilbert[3] (criador do céu e da terra),  de que a matemática fosse consistente e completa; no sentido de que com um número finito de postulados poderíamos saber de toda verdade matematisável e jamais chegaríamos a uma auto-contradição. Gödel mostra que o preço de consistência é a  eterna incompletude. Que não pode haver  uma matemática complexa o suficiente, capaz de  lidar com infinitos, sem que se  deságüe necessariamente  em paradoxos. Sempre haverá novos indecidíveis. Ou seja : se a estrutura lógica é grande o suficiente, ela produz necessariamente múltiplas verdades convivendo anárquica e consistentemente no sistema e quanto mais se avança em novos resultados novos indecidíveis e novas múltiplas verdades aparecem.

 

O que acontece com o fluxo do tempo ?  Na matemática como na  psicanálise, lidamos com objetos que independem de uma estrutura temporal, ou que pelo menos possuem um tempo claramente reversível, onde  uma ordem causal não é nem necessária nem sequer faz sentido. Voltar no tempo em busca de indecidíveis não é voltar no tempo, mas sim mover-se numa malha anárquica de sempre e múltiplas   possibilidades. Romper com a causalidade movimentando-se em busca das origens dos paradoxos e angústias não constitui, num nível teórico ou inconsciente, nenhum crime e não gera constrangimentos.    No mundo físico onde realidades e verdades se entrelaçam,  onde temos de construir modelos nos quais, sempre tudo se explica, lidamos concretamente com a existência. Existirá também o que não se percebe?  e a Lua, onde se encontra quando não está na mira dos meus olhos? Existirá além do meu poder de percebe-la? No mundo físico, onde  a  experiência é o ato de observá-la e o Paradoxo por   ser concreto,  nunca se revela completamente , a  fé  é sempre então requisitada e (como sempre à força armada)  resolve   tudo a contento. Valha-me Deus!

 

IV- Um tratamento matemático para a Psicanálise? O outro lado, o que não faz sentido é tudo que interessa, o tempo um relógio parado, a vida a história da vida  deixando um nome marcado no amor da pedra pela pedra .

 

A ausência de Deus é  a necessidade do analista, matemático improvável num mundo invisível de idéias diversas, sem acesso à literatura ou à história, observador atônito, desconhecendo os possíveis postulados e as regras da lógica  que modelam o inconsciente,  atemporal metáfora de um Deus Cronos  e endoidecido em Bangu. A  Psicanálise é sem  Deus e sem as leis dos Postulados; só lhe restam as leis internas,  de lógicas sempre desconhecidas que quando se revelam desaparecem. O outro lado é esse lado e eu vou morrer sem percebe-lo.

 

Conversa com o Analista

Como me engano contigo

Como tratar-me; e a ti

E se  melhor,  como sabe-lo

O que me  move e me deita;  e a ti

O que te move e com que critérios

Quando me curas, quando me curro

… e me expulso de ti

Com que matemática me examino

Qual filósofo meus livros calam

Como encontrar-me  aqui,

do outro lado

Como esquecer-me

Como partir

?

 

 Não seria o inconsciente como uma teoria de infinitos observada pelo consciente? Não seria a busca da análise uma busca de indecidíveis, revelados pela  angústia da inexorabilidade dos paradoxos (e não do tempo)? Tratar não equivaleria a libertar cada indecidível detectado, substituindo sua verdade única por um leque de possibilidades mutuamente  independentes? A multiplicidade de  possíveis verdades  não equilibraria novamente o inconsciente, diminuindo a  angústia do consciente observador? Essa busca de indecidíveis é tarefa própria dos inconscientes e a eles deve ser deixada . Aumentar o espaço de manobra  inconsciente, facilitando a  mobilidade de suas articulações, lá onde o tempo é quase  e paradoxos vivem sua plenitude, este  é o trabalho do analista.

 

A nós, sob o jugo da causalidade (inpossibilitados pela prática de reverter a fecha do tempo, voltar ao instante  dos indecidíveis e dali viver, concomitantemente , toda e cada   possibilidade gerada pelo múltipla escolha axiomática)  restam poucas alternativas.

 

Sem opções, vives condenado, como louco que és, ao tempo que te governa, finito e cotidiano. Por dentro, fervilhando de infinitos, um destino atemporal não combina contigo.

 

          Não há nada a fazer  conscientemente para mudar … a não ser saltar o abismo que separa possibilidades paralelas, viver o instante do vôo e aterrissar onde te espera o outro lado, ou o chão que te esfacela.

 

Risk

 

 

 

REFERÊNCIAS: Os textos abaixo não exigem pré-requisitos matemáticos significativos e devem ser lidos ou pelo menos folheados,  pelo leitor curioso.

 

 

[1] Morris Kline “Mathematical Thought from Ancient to Modern Times” Oxford University Press New York USA 1972

 

 

[2]  Eli Maor “To Infinity and Beyond”  Birkhäuser  Boston USA 1987

 

 

[3] P. H. Davis e R. Harsh “The Mathematical  Experience” Birkhäuser  Boston USA 1987

 

 

[4] Kline, M. “ Mathematics the Loss of Certainty” Oxford University Press New York USA 1980

 

 

[5] Penrose, R “The Emperor New Mind” Oxford University Press New York USA 1982

 

 

[6] Hofstadler,D. R.  “Gödel, Escher, Bach: An Eternal Golden Braid”  Vintage Books  New York USA 1980

 

 

[7] Nagel, E. e Newman, J. R. “Gödel’s Proof”  New York University Press New Ypork USA 1958

 

 

[8] Kubrusly, R. S. “Uma Viajem Informal ao Teorema de Gödel” em: http://www.dmm.im.ufrj.br/~risk, Rio, 2000

 

 

[8] Jean Dieudonné “Pour L’Honneur de l’Espirit Humain”  Éditions Hachette Paris France 1987

 

 

 

 

 

 

 


[1] CANTOR, Georg (1845-1918),Matemático alemão nascido em São Petersburg . Definiu um conjunto infinito como sendo todo aguele que contém um sub-conjunto próprio com o seu mesmo tamanho. Classificou os diversos tamanhos de infinitos criando a teoria dos transfinitos.

[2] Gödel, Kurt (1906-78) Matemático Checo, mais tarde naturalizado Americano, famoso por ter provado o Teorema da Incompletude que demonstra a inexorabilidade dos indecidíveis.

[3] Hilbert,David (1862-1943)  Matemático Alemão, famoso pelos problemas em aberto que deixou no discurso feito no Congresso de Paris em 1900 e que nortearam toda a pesquisa matemática deste século.