Fátima Amin: “O Tecido e a Trama”

Paradigmas da Clínica: O Tecido e a Trama[1]

 

 

                                                                                                                          Fátima Amin[2]

 

 

Quando me foi proposto esse tema, antes mesmo que tivesse clareza dos argumentos que iria  desenvolver  para elaborar o texto, lembrei-me de um conto de Jorge Luís Borges, “As Ruínas Circulares”, que me pareceu um excelente fio condutor para as idéias que de início me ocorreram. O conto trata da obstinação de um homem em dar vida a um personagem dos seus sonhos, e das vicissitudes desse desvario. Eis o conto:

 

Um homem desembarca de uma canoa num povoado distante.  Tão sério e tão ocupado dos próprios pensamentos, que por mais curiosidade que tivessem, os nativos daquele longínquo lugar não ousavam perturbar-lhe a concentração. Tinha uma tarefa grandiosa, dar vida a um personagem de seus sonhos, de tal maneira que só ele e o Fogo soubessem  que ele não era humano.  Ele, porque sabia ser essa a sua missão, e o  Fogo porque se o envolvesse em suas chamas, estas jamais o queimariam. Disciplinado, acomodou-se para dormir, não por cansaço mas porque “sabia  que sua imediata obrigação era o sonho”. “Queria sonhar um homem, sonhá-lo com integridade minuciosa e impô-lo à realidade. Esse projeto mágico esgotara o espaço inteiro de sua alma… No começo, os sonhos eram caóticos; pouco depois foram de natureza dialética… O homem, no sonho e na vigília, considerava as respostas de seus fantasmas, não se deixava iludir pelos impostores, adivinhava em certas perplexidades uma inteligência crescente. Procurava uma alma que merecesse participar do universo… Não obstante, depois de nove ou dez noites… a catástrofe sobreveio.  O homem, um dia, emergiu do sonho como de um deserto viscoso, olhou a vã luz da tarde que, à primeira vista, confundiu com a aurora e compreendeu que não sonhara. Toda essa noite e todo  o dia,  a intolerável lucidez da insônia se abateu contra ele… Na quase perpétua vigília, lágrimas de ira queimavam-lhe os velhos olhos. Compreendeu que o empenho de modelar a matéria incoerente e vertiginosa de que se compõem os sonhos é o mais árduo que pode empreender um varão, ainda que penetre em todos os enigmas da ordem superior e da inferior: muito mais árduo que tecer uma corda de areia ou amoedar o vento sem rosto… Compreendeu que um fracasso inicial era inevitável. Jurou esquecer a enorme alucinação que o desviara no começo e procurou outro método de trabalho. Antes de exercitá-lo, dedicou um mês à reposição  das forças que o delírio havia  desperdiçado. Abandonou toda premeditação de sonhar e quase imediatamente conseguiu  dormir uma parte razoável do dia. As raras vezes que sonhou, durante esse período, não reparou nos sonhos… Depois, à tarde, purificou-se nas águas do rio, adorou os deuses planetários, pronunciou as sílabas lícitas de um nome poderoso e dormiu. Quase que de imediato sonhou com um coração que pulsava. Sonhou-o ativo, caloroso, secreto, do tamanho de um punho fechado, na penumbra de um corpo humano, ainda sem rosto e sem sexo; com minucioso amor sonhou-o, durante catorze lúcidas noites.”[3]

 

 

A associação que  fiz desse conto com a clínica, foi o fato de que ambos são atravessados pelo sonho de alguém. Além do que, o conhecimento que se engendra, em ambos, no conto e na clínica, se revela a partir das experiências que se vive, na medida em que descrevem uma trama que só vai sendo conhecida na medida em que vai sendo vivida.

 

Completamente tomado pelo seu sonho, orientado pelo conhecimento que lhe chega, passo a passo, advindo de sua própria experiência na tentativa de realizá-lo, o homem no conto se entrega a seu projeto, engendrando-o, ao mesmo tempo que é engendrado por ele. Não tem, de antemão, nenhum método, precisa inventá-lo. O caminho precisa ser desvendado, porque não tem como conhecê-lo ou sabê-lo, a priori.

 

Deixo, portanto,  destacado esse recorte  inicial do conto, como um suporte para me embrenhar em outras divagações.

 

 

“Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo com integridade minuciosa e impô-lo à realidade. Esse projeto mágico esgotara o espaço inteiro de sua alma…”

 

 

Interessa-me pensar a psicanálise, desde Freud, com suas duas vertentes: sua teoria e sua atividade clínica. Porque antes de Freud não havia nem prática, nem  uma construção teórica que pudesse dar conta de uma sistemática do acontecimento psíquico.

 

Freud conhecia a ciência do seu tempo e não mediu esforços para que sua teoria tivesse direito a um estatuto de cientificidade. De acordo com seus biógrafos, e principalmente com as correspondências que trocou ao longo do tempo, com interlocutores importantes, sonhava com descoberta e reconhecimento por parte da comunidade médica e científica, mas  para tanto  precisava compreender e afinar-se com os paradigmas do seu tempo. Entendo por paradigma “aquilo que está no princípio da construção das teorias, é o núcleo obscuro que orienta os discursos teóricos neste ou naquele sentido”.[4]

 

 

“Esse projeto mágico parecia esgotar o espaço inteiro de sua alma, queria impô-lo à realidade… No começo os sonhos eram caóticos; pouco tempo depois foram de natureza dialética… O homem, no sonho e na vigília, considerava as respostas de seus fantasmas, não se deixava iludir pelos impostores, adivinhava em certas perplexidades uma inteligência crescente”.

 

 

Penso que, até certo ponto, Freud realizou esse projeto.

 

Viena, no fim do século XIX, início do séc. XX fervilhava em novas concepções à respeito do conhecimento e do mundo. A ciência, distinguindo-se cada vez mais da metafísica, já delimitara há algum tempo as suas próprias fronteiras, estabelecendo demarcas rigorosas em relação ao que considerava da ordem do especulativo. Longe de ser um lago plácido de águas claras, o panorama científico constituía-se de pensadores importantes que lançavam luz, sobre o que deveria ser a pesquisa e o discurso científico.

 

Em 1907, surge o Círculo de Viena, fundado por Shillick, do qual mais tarde fizeram parte,  Carnap e Popper. Existe já uma proposição do que vem a ser um discurso científico, a partir de discussões sobre o que seria a sua metodologia. E já é costumeiro considerar a ciência dividida em duas partes: a teoria e a observação daquilo que se constrói teoricamente.

 

É num contexto de grande efervescência intelectual que brotam as primeiras publicações de Freud: “A Interpretação dos Sonhos ocupou um lugar especial no cérebro e no coração do seu autor. Viu-a como a sua obra científica mais significativa, a pedra fundamental de todas as suas realizações, e simultaneamente como a obra que o levaria à clareza dos processos mentais…Na estrutura visível de tratado científico, ele eleva seus leitores ao longo dos capítulos sistemáticos, aos âmbitos mais sofisticados da análise psicológica.”[5]  

 

A construção teórica que Freud propunha como científica, embora em sua sistematização se apresentasse hipotético-dedutiva, não se enquadrava totalmente nas possibilidades lógico-matemáticas, com que se nutria a física: a física que se constituía como o modelo de cientificidade, com sua busca das verdades inscritas ou escondidas nos fenômenos considerados naturais, e com suas possibilidades tanto de experimentação como também de escrita matemática. O Círculo de Viena formulou para a ciência, entre outros, o princípio da verificabilidade: pode-se saber o significado de uma proposição pelo conjunto de dados empíricos imediatos, cuja ocorrência confere veracidade à proposição, e cuja não ocorrência a falsifica, isto é, todo fenômeno descrito teoricamente  só pode ser validado se puder ser observado.

 

Se fizermos um certo recorte encontraremos na psicanálise freudiana um objeto construído para dar conta de fenômeno mentais, cuja manifestação pode ser atestada e relatada por quem os vive ou os observa. Fenômenos que não pareciam ter nenhuma ligação entre si, passam a ser agrupados e compreendidos como fazendo parte de um mesmo sistema, submetidos a mecanismos comuns, e regidos pelas mesmas leis. Esta é uma construção teórica hipotético-dedutiva. Os sonhos, o chiste, o sintoma, as parapraxias, as lembranças encobridoras, fazem parte de uma mesma classe de fenômenos, as formações de compromisso, cuja dinâmica se esboça a partir do conceito _Recalque. Constitui-se dessa forma, o Inconsciente: um objeto para uma ciência do psiquismo que ganha a partir de então, estatuto de “aparelho mental”. O recalcado, num universo de representações, tal qual a “lei de gravidade”, atrai para si, por associação significativa, qualquer conteúdo ideativo que se refira  ao que foi  primariamente impedido de estar, ou permanecer na consciência. O determinismo e o princípio de causalidade, paradigmas da ciência moderna encontram-se aí bem representados: leis que determinam, dentro de cadeias de causas e efeitos, fenômenos que podemos observar.

 

A quantificação, tão cara a esta visão da ciência, também está expressa nessa formulação. Uma vez que os fenômenos em questão têm em seu bojo afetos que se expressam em diferentes intensidades, e por isso encontram no psiquismo diferentes destinos, eles são implicados sempre, com o “quantum” afetivo que lhes diz respeito. A economia desses processos, portanto, não se perde no aparelho mental, antes, promove alterações qualitativas, significativamente diferentes, na expressão desses  fenômenos.

 

Esse é um recorte de uma leitura possível, satisfatória em  seu “esboço de cientificidade”, iluminada pelo empirismo de uma época bastante efervescente, nos meios intelectuais de Viena.

 

 

_“Compreendeu que o empenho de modular a matéria incoerente e vertiginosa  de que se compõem os sonhos é o mais árduo que pode empreender um varão, ainda que penetre em todos os enigmas da ordem superior e inferior… Procurava uma alma que merecesse participar do universo… Compreendeu que um fracasso inicial era inevitável. Jurou esquecer a enorme alucinação que o desviara no começo, e buscou outro método de trabalho… Quase que de imediato sonhou com um coração que pulsava”.

 

Um ponto importante da trajetória da psicanálise[6] rumo à ciência, é que diferentemente da física newtoniana, a psicanálise  de  Freud, (este antecedido por Charcot, e Breuer mais diretamente), mergulha numa “matéria” de consistência duvidosa, impregnada de pré-concepções. Tida como simulação, arremedo de hipocrisia, “coisa de mulher”, a histeria, que graças à Charcot havia recém conquistado o estatuto de entidade nosográfica referida ao sistema nervoso, toma ares de fonte de pesquisa, e como tal revela um inesgotável manancial de questões sem respostas. Questões, que à moda de um mosaico, ao mesmo tempo em que eram problematizadas, começavam a desenhar um esboço de teoria. Nesse mosaico, que teve seus traços principais riscados ao longo da década de 90, fins do Séc. XIX, surgiram os primeiros elementos da teoria e da técnica.

 

 Menos feliz que Newton, afinal nunca tivemos notícia de que uma maçã em queda livre ou um corpo em movimento tivesse se apaixonado por ele, (apesar da maçã ter ganho em nossa cultura notoriedade, como um dos ícones da sedução), Freud teve, em seu percurso, que lidar com situações absolutamente inusitadas. Por exemplo: “um dia uma paciente abraçou-o repentinamente, um contratempo não previsto _ e que, felizmente, foi remediado pela entrada de uma empregada da casa.”[7]

 

Outra passagem interessante que aconteceu nesses primeiros tempos de experimentação, foi a insistência de Freud com Breuer para que ele publicasse suas observações e principalmente a descoberta que  sua paciente Anna  O. havia feito com relação, ao que Breuer veio a chamar, de “catarse”.  Anna  O., que espontaneamente  havia descoberto o método catártico  havia batizado-o por “cura pela conversação” ou “limpeza de chaminé”. Nesse esforço, Freud deparou-se com grande resistência do amigo. “Pouco a pouco foi se tornando claro para ele, que a relutância de Breuer devia-se à perturbadora experiência havida com Anna O. Dessa forma, Freud relatou-lhe sobre sua própria experiência com uma paciente, que atirou-se de braços abertos em volta de seu pescoço num transporte afetivo, e deu-lhe explicações quanto às razões que tinha para tomar  tais ocorrências embaraçosas, como parte do fenômeno de transferência, característico de certos tipos de histeria… A observação de Freud produziu nele, uma impressão profunda, pois quando se encontravam na tarefa da preparação dos Estudos, Breuer observou quanto ao fenômeno da transferência: “Creio que esta é a coisa mais importante que nós dois vamos levar ao conhecimento do mundo”[8]

 

A teoria que Freud foi construindo, com seu amplo conhecimento altamente implicado com as questões da sua época, e a capacidade de  problematizar a sua própria experiência, foi compondo um objeto que é mais compatível com o pensamento complexo, do que com as premissas  metodológicas da ciência do seu tempo.

 

 

“Quase que de imediato sonhou com um coração que pulsava. Sonhou-o ativo, caloroso, secreto, do tamanho de um punho fechado, na penumbra de um corpo humano, ainda sem rosto e sem sexo; com minucioso amor sonhou-o, durante catorze lúcidas noites. Cada noite percebia-o com maior evidência….Percebia-o, vivia-o de muitas distâncias e muitos ângulos. Antes de um ano chegou ao esqueleto, às pálpebras… Sonhou um homem inteiro… Noite após noite, o homem sonhava-o adormecido.”[9]

 

A emergência de sentimentos e reações,  que supostamente  interferiam no bom andamento do processo em curso, pareciam querer definir destinos muito particulares a aqueles encontros que começavam a acontecer, com regularidade entre o médico e suas pacientes. A observação, levada a cabo por Freud, ia rapidamente cedendo lugar a uma “escuta” prenhe de significações. O alívio de dores, o apaixonamento, o jorro de idéias difusas, a princípio, fatos tão desconexos quanto acidentais, aos poucos, foram sendo batizados como método catártico, transferência  e associação livre. Iam ganhando sentido, ao mesmo tempo que faziam surgir uma trama urdida pelo entrelaçamento de muitos fios dispersos. Entrava em cena a “cura pela conversação”,  como nomeou Anna O., os encontros que se sucediam com hora marcada,  com o objetivo de fazer uma “limpeza na chaminé” para aliviar dores  que se expressavam através do sintoma. Sintoma, trauma e dor mental começavam a se entrelaçar, dando sentido a um certo estado, que aos poucos foi se tornando passível de compreensão através da palavra, do relato daquilo que se vive, e se viveu. A via de acesso ao sintoma começa, enfim, a se constituir pela palavra. E junto com ela vem a possibilidade de atribuição de sentido àquilo que se vive.

 

Considerando que a possibilidade de atribuição de sentido, passa a fazer parte da compreensão do ato psíquico num processo incessante de significação e re-significação, podemos, a partir dessa compreensão, começarmos por conceber  o fenômeno mental como um fenômeno complexo.

 

Quero abrir um parêntesis aqui para esclarecer o que vou, a partir desse ponto, chamar de “complexo”. De acordo com o pensamento complexo, de Edgar Morin: “Complexus = aquilo que é “tecido” junto. O universo de fenômenos é inseparavelmente tecido de ordem, de desordem, de organização e caos.”[10]

 

Assim, nessa psicanálise em construção, ao invés de serem desprezados,  os “acidentes de percurso” são incluídos e passam a fazer parte da trama. Construção bem diferente da preconizada pela ciência moderna, tão bem defendida nos Círculos de Viena.

 

E na constituição dessa inusitada trama, acontecimentos fortuitos desarticulados e desprovidos de sentido, foram sendo recolhidos como num feixe, agrupados e entrelaçados, revelando um inesperado nexo. Fios dispersos, que entrelaçados foram compondo uma inusitada trama teórica. Surgem sistemas, leis que dinamicamente entrelaçadas dão conta de explicar toda uma classe de fenômenos, que pela impossibilidade de serem compreendidos sequer eram problematizados. Fenômenos, simplesmente desprezados, desqualificados, que  passam, a partir daí, a serem compreendidos como expressão de uma relação entre instâncias, ainda que nada evidente, que orienta e dá sentido um a um, a esses acontecimentos. E mais, abrem-nos para uma prática clínica  constituída num universo tão complexo de sistematizações que hoje, ainda, vemos sentido em colocarmos em discussão os paradigmas que norteiam essa clínica que se estende à atualidade. “No sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou”.[11]

 

 

“Gradualmente, foi acostumando-o à realidade. Certa vez, ordenou-lhe que embandeirasse um cume longínquo. No outro dia, flamejava a bandeira no cume. Ensaiou outras experiências análogas, cada vez mais audazes. Compreendeu com certa amargura que seu filho estava pronto para nascer – e talvez impaciente. Nessa noite beijou-o pela primeira vez  e enviou-o ao outro templo… rio abaixo… Antes (para que nunca soubesse que era um fantasma, para que se acreditasse um homem como os outros) infundiu-lhe o esquecimento total de seus anos de aprendizagem.”[12]

 

 

A psicanálise se constitui, desde Freud, como um espaço que abriga acontecimentos que pareciam não ter nada a ver uns com os outros. As formulações teóricas, emergentes dessa experiência recriam e expandem a teoria, que em espiral dá sentido a essa mesma experiência e a qualifica, recursivamente. Chega aos nossos dias, possivelmente, menos pelo resultado da discussão em torno de sua cientificidade, do que pela possibilidade de não abrir mão de enriquecer-se com novas possibilidades de leitura,  tanto da sua teoria quanto da experiência  que valida. Recursivamente. O legado que fica  para nós que somos cem anos mais novos é exatamente “aquilo que em Freud, foi extemporâneo e não aqueles aspectos de suas formulações teóricas imersos na cultura de seu tempo”.[13] Freud, pela sua genialidade e pelas características tão complexas do objeto que construiu, parece tê-lo pensado mais compatível com os novos paradigmas, do que com os paradigmas da modernidade. E esta é a questão que, de fato, quero discutir nesse trabalho.

 

 

O Tecido e a Trama

 

 

Nas cosmogonias gnósticas, os demiurgos amassam um vermelho Adão que não consegue por-se de pé; tão inábil e rude e elementar como esse Adão de pó era o Adão de sonho que as noites do mago tinham fabricado. Uma tarde o homem quase destruiu a sua obra, mas se arrependeu. Esgotados os votos aos numes da terra e do rio, arrojou-se aos pés da efígie que talvez fosse um tigre e talvez um potro, e implorou o seu desconhecido socorro… Esse múltiplo deus revelou-lhe que seu nome terrenal era Fogo, que nesse templo circular (e em outros iguais) rendiam-lhe sacrifícios e culto e que magicamente animaria o fantasma sonhado, de certo que todas as criaturas, exceto o próprio Fogo e o sonhador, julgassem-no um homem de carne e osso… No sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou.”

 

 

Num tecido, os fios que correm na longitudinal fazem parte do urdume, e aqueles, que na transversal atravessam esse urdume, constituem a trama. O urdume sem a trama não é nada, pode ser no máximo uma franja, fios colocados lado a lado.  Só com a introdução da trama, que entrelaça o urdume, temos o tecido com seus desenhos.  É por isso que na descrição de um tecido, destaca-se a sua trama, porque é ela quem vai responder por sua singularidade.

 

A clínica, é uma atividade que referida a um certo saber  institui uma praxis. E, sem dúvida,  “há mais mistérios entre os saberes e suas  “práticas” do que pode supor a nossa vã filosofia”.

 

Sobrepõem-se, à observação e à descoberta de um  ou mais dados da observação empírica,  “a condição, a partir da qual um campo inteiro de conhecimentos e teorias se organiza”. [14] E é essa condição que eu vou considerar como um solo epistêmico, isto é, as condições de possibilidades que são facilitadoras de que  certos conhecimentos, e não outros, emerjam numa determinada época. Usando a idéia de solo, desta forma, como metáfora, considerarei fundamentalmente, que um solo não é contínuo, “liso”, nem constituído de um único elemento. Ao contrário, é descontínuo, constituído por uma multiplicidade deles, tão variáveis quanto nossa capacidade de nomeá-los e conhecê-los, cuja observação  revela  certos aspectos  ocultando  outros, e que ainda, dependendo do ângulo que o nosso olhar descreva, a geografia definida pode ser bem diferente da observada de um outro lugar. Se estamos falando de um solo, podemos, ainda, pensar que ele também é atravessado por um tempo que o “presentifica”, que naquele momento dado e não em outro, revela aquela “gestalt”, e não outra.

 

Acredito ser  na “penumbra  desse solo”, um solo  complexo, que pulsa o conhecimento, “sem rosto e sem sexo”, ganhando vida a partir da “significação dos fenômenos culturais, e não o contrário.”[15]  E  é desse solo de possibilidades que penso, brotou e brota ainda hoje a psicanálise. Vou utilizar, neste ponto, o princípio de recursividade do pensamento complexo para pensar a cultura, suas produções e o sujeito. Nascemos, crescemos e produzimos no seio de uma cultura. Recorro novamente a Edgar Morin: “De certo modo, a totalidade da nossa informação genética está em cada uma de nossas células, e a sociedade, enquanto “todo”, está presente na nossa mente via a cultura que nos formou e informou. Ainda de outro modo, podemos dizer que o “mundo está na nossa mente, a qual está no nosso mundo”. Nós produzimos a sociedade que nos produz”.[16]

 

Urdume e trama entrelaçados criam, uma infinita variedade de composições, que as múltiplas possibilidades que se desenrolam na história das civilizações, através do tempo, dão vida, fazendo surgir  o tecido, no qual,  cada  cultura vai inscrever a sua singularidade com as suas produções. A clínica com sua praxis é produto, ao mesmo tempo que participa também, como produtora da visão dos fatos que serão relevantes para ela, numa determinada época. A cultura é o solo epistêmico que lhe dá sentido. Esta é a sua atualidade. Se pensarmos em termos paradigmáticos, a clínica é um espaço aberto, que ganha sentido enquanto prática, na medida em que é passível de ser  constituída ou reconstituída significativamente, concernente com a linguagem ou os conhecimentos de um certo tempo. A clínica é, portanto, um espaço sempre aberto em construção, que navega vacilante em águas nada claras, no socio-político-cultural, mergulhada em muitas incertezas. O termo “clinicar” tem sua raiz, no grego “klino” que quer dizer _ inclinar-se sobre. Alguns aproximam o termo “clínica” de “clinâmen” que tem sua raiz no latim e diz respeito à _ inclinação, desvio. E na clínica, “nos inclinamos” para pensar quem é o sujeito do nosso tempo. Que “desvios” constituem a trama de onde emerge a sua singularidade?

 

 

O mago lembrou-se bruscamente das palavras do deus. Recordou que de todas as criaturas que compõem o orbe, o fogo era a única que sabia ser seu filho um fantasma. Essa lembrança, apaziguadora à princípio, acabou por atormentá-lo. Temeu que seu filho meditasse nesse privilégio anormal e descobrisse de algum modo sua condição de mero simulacro. Não ser um homem, ser a projeção do sonho de outro homem, que humilhação incomparável, que vertigem! A todo pai interessam os filhos que procriou; é natural que o mago temesse pelo futuro daquele filho…”

 

 

Penso que comecei este trabalho apresentando a psicanálise freudiana  pela mais linear  leitura que se pode fazer dela, que é o quanto é viável justapô-la à uma concepção positivista da ciência.  Alguns têm considerado ser esta a única leitura possível. Outros, uma das leituras possíveis. Prefiro estar entre os segundos.

 

Se considerarmos que Freud pretendeu construir sua descoberta nos moldes dessa concepção, podemos considerar também que esse vultoso projeto, fracassou. E penso que é exatamente onde a leitura positivista  deixa de dar conta da singularidade da experiência psicanalítica, que a psicanálise  encontra fôlego para chegar aos dias atuais.

 

Não pretendo aqui, explorar em profundidade e extensão a possibilidade de fazermos uma leitura do objeto da psicanálise freudiana e da própria atividade clínica, à luz dos novos paradigmas, isto é dos paradigmas da complexidade. Entretanto, gostaria de fazer um recorte diferente do inicial, só para levantar alguns pontos de  afastamento. Pretendo olhá-los, a partir de um outro lugar.

 

Para começar, o tempo para o aparelho mental  é descontínuo. Uma proposta determinista deve pré-supor um tempo linear, contínuo, onde os fenômenos se sucedem  justificando uma leitura de causa e efeito. Não que “causa e efeito”, seja uma cadeia precária de se pensar. Por exemplo, se eu preciso acelerar o meu carro, é importante que ele rapidamente responda ao meu comando. Agora, se pensarmos em termos de mental, rapidamente essa linearidade cai por terra, porque estamos compondo um campo fenomênico comprometido com múltiplos sentidos. O reprimido, representações ideativas submetidas ao  processo de recalque, nos chistes, nos sonhos, nos sintomas, nas lembranças encobridoras e nos atos falhos comunica aquilo que o sujeito não sabe de si, mas que em si, dá sentido a tudo que lhe diz respeito. O tempo do reprimido é Aion, a atemporalidade, o tempo da simultaneidade, e o tempo da consciência é o Cronos, que organiza nossa história numa sucessão de fatos, que possibilita a ordenação do “antes e do depois”. Por isso podemos dizer que “não há linearidade, mas encontro de diferentes tempos cujos significados se atualizam incessantemente”[17] Não podemos nos esquecer que a atividade clínica psicanalítica, também é ancorada em dois tempos, (no mínimo), o tempo em que os encontros são marcados (Cronos), e aquele em que de fato eles se dão (a atemporalidade do desejo_ a transferência).

 

Outra questão importante que Freud traz à luz em sua construção teórica são  as dicotomias que o pensamento sempre colocou em oposição na compreensão dos fenômenos. Por exemplo, natureza e cultura, filogênese e ontogênese, necessidade e pulsão, etc, encontram destinos diferentes na psicanálise uma vez que ambos os lados dessas oposições contribuem igualmente, na compreensão dos fatos. Ao invés de se excluírem, eles se incluem, e não raro se definem, enquanto conceituação, dinamicamente, compondo um movimento, estando todo tempo, um referido ao outro.

O Complexo de Édipo, que abre a teoria para o mito, também contribui amplamente para essa construção. Ao mesmo tempo em que atrela o indivíduo à interdição inscrita na cultura, faz surgir desse ponto a sua singularidade. O processo de inserção do sujeito na cultura, via o Complexo de Édipo responde pela constituição do próprio sujeito, singularizando-o.

 

Como estou tentando mostrar, via outro ângulo de visão não é impossível comprometer a psicanálise  com o paradigma do pensamento complexo: “a complexidade não é só um fenômeno empírico (acaso, eventualidades, desordens, complicações, mistura dos fenômenos); a complexidade é também, um problema conceitual e lógico que confunde as demarcações e as fronteiras bem nítidas dos conceitos como “produtor” e “produto”, “causa” e “efeito”, “um” e “múltiplo”. E mais: ela não quer dar todas as informações sobre um fenômeno estudado, mas respeitar as suas diversas dimensões… não devemos esquecer que o homem é um ser biológico-sóciocultural, e que os fenômenos sociais são ao mesmo tempo, econômicos, culturais, psicológicos, etc… Dito isto, ao aspirar a multidimensionalidade, o pensamento complexo comporta em seu interior um princípio de incompletude e de incerteza.” [18]

 

Mesmo numa leitura superficial como a que eu estou fazendo, eu tentei dar mostras de que podemos ler diferentemente, uma certa conceituação, compondo novos arranjos a partir daqueles que nos são dados. Freud pretendeu, (será que pretendeu mesmo?) criar uma ciência empirista, e nos legou muito além disso, um campo de conhecimento cuja trama se organiza de forma criativa, pela quantidade de fios dispersos que une, entrelaçando-os, pela atribuição de sentido. Freud  foi sujeito do pensamento complexo. Desconstruiu certezas, e não se furtou ao prazer de agregar à sua experiência teórico-clínica os reveses que encontrava no caminho. Caminhou descalço um caminho de incertezas, pois não tinha um método a priori.

 

E qual é a importância  dessa discussão para a clínica hoje?

 

É na visão extemporânea de Freud que a psicanálise, dada a sua construção em gerúndio, pode ainda hoje fertilizar-se num solo de conhecimentos atuais, ao mesmo tempo que lança a luz para a compreensão de aspectos importantes da experiência humana. Freud deu vida a um discurso, observando, pensando e construindo o homem na cultura, no seu tempo: sua sexualidade, sua religiosidade, suas guerras, suas produções artísticas e sua relação com o poder e a morte. É na forma como a psicanálise foi sendo construída,  que vamos aprender com Freud ainda hoje a construirmos argumentos para  compreender e criticar os fenômenos que nos afetam e compõem o nosso tempo. Aprendemos uma postura crítica, reflexiva e ousada nas suas construções teóricas. Aprendemos,  fundamentalmente, uma postura científica, naquilo que a ciência labora de desconstrução  do senso comum, para a partir daí  fazer emergir a produção do conhecimento. E penso que não podemos abrir mão desse lugar.

 

Citando Morin: “A psicanálise é uma coisa que acho absolutamente genial, por quê? Porque Freud compreendeu que o nó górdio estava no cruzamento do que podemos chamar as ciências da mente, os conhecimentos psicológicos, as fantasias, os sonhos, as idéias de um lado, e de organismo biológico, do outro. Por sua idéia de pulsão ele compreendia que era preciso conceber o ser humano na sua totalidade multidimensional, em vez de recortar um pequeno pedaço que vai cair na aptidão para letras, que é  a parte mente, e a parte do corpo que deriva da biologia. Ele é um pensador  extremamente poderoso, cujas intuições devem ser examinadas sem cessar.”[19]

 

O psicanalista é um sujeito desde os primórdios, acostumado com estudos de casos clínicos. Alguns conceitos importantes foram e ainda  são construídos, a partir deles. O relato desses casos e suas conclusões teóricas são urdidos pela experiência clínica e tramados por um saber que o atravessa, tentando encontrar a sua sustentação num universo que  também é ficcional. A clinica psicanalitica é atravessada  pela experiência, isso que dizer que está aberta ao inesperado, ao criativo, porém, ela é  ancorada  no conceito de transferência, que é aquilo que  a singulariza. Transferência, apesar de ser método é também o lugar da surpresa, da singularidade. A transferência abre a experiência para o que se repete, ao mesmo tempo que para o inesperado e cria a tecitura para a emergência do novo, o criativo, para a trama que constitui  a história de uma dupla, inaugurando no bojo do encontro uma estética, que desloca para a relação um outro sentido, o sentido do que é vivido pelo par analista e analisando. A clínica psicanalítica cria assim, um paradoxo: ela não está comprometida com o sintoma, e sim com o conhecimento que é tecido na experiência desse par. Sujeito e objeto não podem mais, sob esse aspecto, se definir como posições rígidas pré-estabelecidas à revelia da experiência, que é uma dimensão do “vivido” que em psicanálise se afasta absolutamente do termo experimentação.

 

Muitos analistas depois de Freud desenvolveram, amplamente,  esses aspectos relacionais, que modifica e amplia em muito o universo conhecido, ou quem sabe o universo do não conhecido. Nesse aspecto, a psicanálise é um saber vivo, que brota na penumbra de um solo epistêmico, e por isso compõe um panorama mais de incertezas, do que de certezas, podendo nesse sentido ir se enriquecendo e enriquecendo outros campos do saber, com novas formulações.  Lançarmos luz sobre esse solo onde se constitui  a nossa prática clínica e onde  reinventamos, atualizando dia-a-dia  esse saber, é tarefa grata, criativa, e necessária.  Muitas vezes penso, que  mais importante do que nossas escolhas teórico-técnicas, pois não raro achamos que a nossa é a melhor, é não perdermos de vista, ou não abrirmos mão do lugar que nos cabe,  posto que lidamos com o fato humano que é eternamente inconcluso,  é não abrirmos mão do lugar da reflexão. Porque a psicanálise é um saber que se constitui, constituindo, recursivamente. Penso ser este o seu principal paradigma, extensivo é claro, a sua extensa atividade clínica.

 

 

“É natural que o mago temesse pelo futuro daquele filho, pensando entranha por entranha e traço por traço, em mil e uma noites secretas…O final de suas cavilações foi brusco, mas o anunciaram alguns sinais. Primeiro…o céu que tinha a cor rosada da gengiva dos leopardos; depois a fumaceira que enferrujou o metal das noites; depois a fuga pânica das bestas. Porque se repetiu o acontecimento faz muitos séculos. As ruínas do santuário do deus fogo foram destruídas pelo fogo… Por um instante, pensou refugiar-se nas águas, mas depois compreendeu que a morte vinha coroar sua velhice e absolvê-lo de seus trabalhos. Caminhou contra as línguas de fogo. Estas não morderam a sua carne, estas o acariciaram e o inundaram sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro o estava sonhando.”[20]

 

 

 

Há uma frase maravilhosa de Popper, que talvez vocês já conheçam mas, mesmo assim, vou lê-la:

 

“ A história das ciências, como a de todas as idéias humanas, é uma história de sonhos irresponsáveis, de teimosias e de erros. Porém, a ciência é uma das raras atividades humanas, talvez a única, na qual os erros são sistematicamente assinalados e, com o tempo, constantemente corrigidos.”[21]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia:

 

 

Bachelard, Gaston. Conhecimento Comum e Conhecimento Científico. Epistemologia, n°28 Tempo Brasileiro. RJ, 1972

 

 

Borges, Jorge Luis. As Ruínas Circulares. Obras Completas, Vol. I. Ed. Globo. S.P., 1998

 

 

Carnap, Schick, Popper. Os Pensadores. Ed. Abril Cultural. RJ,1975

 

 

Foucault, Michel. As Palavras e as Coisas. Livraria Martins Fontes Editora. SP, 1966

 

 

Jones, Ernest. Vida e Obra de Sigmund Freud. Zahar Editores. RJ, 1979

 

 

Machado, Roberto Cabral de M. A Arqueologia do Saber e a Constituição das Ciências         Humanas. Separata da Revista Discurso, N° 5. S.P., 1974

 

 

Morin, Edgar. Ciência com Consciência. Bertrand Brasil. RJ, 2000

 

 

Morin, Edgar. O Método 1. A Natureza da Natureza. Ed. Sulina. Porto Alegre, 2002

 

 

Mendonça, Tereza.  O Mal-Estar da Civilização e Engenharia Genética. 1998

 

 

Schorske, Carl E. Viena Fin-de-Siècle. Ed. Companhia das Letras, SP, 1988

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] Trabalho apresentado no I Encontro do Núcleo de Clínica do Instituto de Estudos da Complexidade: Rumo a um Novo Paradigma. PUC. RJ. Abril de 2004

[2] Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, e  Membro Fundador do Instituto de Estudos da Complexidade

[3] Borges, Jorge Luis- “As Ruínas Circulares” – Obras Completas, Editora Globo (pág. 499)

[4] Morin, Edgar- “Ciência com Consciência”, Ed. Bertrand Brasil, 2000, pág.45

[5] Schorske, Carl E. – “ Viena Fin-de-Siècle”, Ed. Companhia das Letras, pág.181

[6] Esse termo “psicanálise” foi utilizado por Freud pela primeira vez, em um artigo publicado em francês em 30 de março de 1896 e surge em alemão pela primeira vez em 15 de maio de 1896.

[7] Jones, Ernest – “Vida e Obra de Sigmund Freud”, Zahar Editores (pág.251)

[8] idem_(pag. 259)

[9] Borges, Jorge luis – “As Ruínas Circulares”, Ed. Globo, Vol. I,  pág. 501

[10] Morin, Edgar- “”Ciência com Consciência”, Ed. Bertrand Brasil (pág.215)

[11] Borges, Jorge Luís- “As Ruínas Circulares”, Obras Completas,  Ed. Globo Vol. I, pág.502

[12] Idem, pág.502

[13] Mendonça, Terzinha – “Des-ordens da Cultura: Complexidade e Sustentação Ética do Homo-Creator”, Tese de Doutorado, Ciências Sociais, PUC, SP. 2000

[14] Foucault,  Michel –  As palavras e as coisas, Martins Fontes Editora, (pág. VII)

[15] idem

[16] Morin, Edgar –  “Ciência com Consciência”, Ed. Bertrand Brasil, (pág.190)

[17] Mendonça, Terzinha – “Des-ordens da Cultura: Complexidade e Sustentação Ética do Homo-Creator”, Tese de Doutorado, Ciências Sociais, PUC, SP. 2000

[18] Morin, Edgar –  “Ciência com Consciência”, Ed. Bertrand Brasil (págs.177/188)

[19] Morin, Edgar –  “Ciência com Consciência”, Ed. Bertrand Brasil (pág.74)

[20] Borges,  Jorge Luis –  “As Ruínas Circulares” Obras Completas, Vol. I, pág.504

[21] Morin, Edgar –  “Ciência com Consciência”, Ed. Bertrand Brasil (pág.59)